quarta-feira, 16 de março de 2011

Terceirão AcrE! - Capítulo 7

--- Capítulo 7

Ao contrário do que esperava, o trajeto até o restaurante foi rápido, só tive que aturar Júlia falando sobre o tempo.

Só existem dois temas que não gosto de falar:

a) Tempo, principalmente aqui em Brasília, pois quando não estamos na seca, estamos no período chuvoso. Então, no geral, não se fala sobre o tempo, se reclama sobre ele.

Odeio pessoas que só conseguem conversar reclamando sobre um assunto em comum – tempo, escola, política, sistema, sempre os mesmos assuntos.

b) Thiago, é isso aí, eu não gosto de falar sobre mim mesmo, eu nem sequer gosto de pensar sobre mim. Qualquer tentativa de auto-análise termina sempre em uma crise auto-destrutiva.

Ao chegarmos ao restaurante eu me acalmei, bastava escolher uma cadeira bem longe da Júlia... E bem perto de Yuri... Ou Bruno ou Daniel, enfim.

Deixei Júlia se servir primeiro – para assim não deixar ela ter a oportunidade de se sentar perto de mim.

O plano deu certo e conseguir ficar são e salvo, sentado entre Bruno e Pasqua, e diante de Yuri.

Seu prato, assim como o da Júlia, era generosamente colorido por causa da salada. Estudei meu prato, tinha dois bifes mal-passados e sangrentos, bem capazes de mugir quando os espetasse com o garfo.

Eu não podia ter esquecido que ele era vegetariano, podia ter aproveitado aquele momento para impressioná-lo. Eu renunciaria até a minha mãe para impressioná-lo, seria capaz de me tornar macrobiótico e até mesmo ativista do Greenpeace.

Resolvi não chorar sobre o boi mutilado e me ocupei com a missão de estar sempre com comida na boca para não ter que responder as possíveis investidas socializantes de Júlia.

- Você já se apaixonou, Bruno? – Ela perguntou (não sei o que ela tinha na cabeça para fazer esse tipo de coisa).

- Já – Respondeu Bruno monossilábico parecendo constrangido.

A pergunta rodou a mesa, de forma aleatória, e graças ao Divino ela me pulou e perguntou a Yuri:

- E você, Yuri? Já se apaixonou?

- Ele levantou o rosto, mas não olhou para ela, ao invés disso, olhou por cima de seu ombro direito como se estivesse procurando por alguém chamado Yuri.

Júlia riu, mas, como sempre, insistiu.

- Já se apaixonou?

- Faz tempo já.

- Vocês sentem falta... de estarem apaixonados?

- Na verdade não – Yuri respondeu e voltou sua atenção para o filé de peixe em seu prato.

- É, eu tô bem como tô – Bruno concordou.

- Eu sinto falta – Júlia respondeu com um suspiro – E você, Thiago? Sente falta de estar apaixonado?

- Eu queria não estar apaixonado o tempo todo... – Respondi baixo sem saber porque eu falava – Sempre por garato... garotas que nem sabem da minha existência. – Eu levantei o rosto e percebi que todo estavam olhando para mim – Porque eu estou falando isso para vocês?

- É assim que funciona a terapia grupal da Júlia. – Yuri comentou em um tom que beirava a ironia.

- Ei! Vocês têm que aproveitar enquanto ainda é de graça! – Júlia queria cursar Psicologia na UnB – Vocês deveriam me agradecer aliás, pelo menos não estamos falando sobre o tempo.

- Pelo menos choveu ontem – Daniel comentou matando sua coca.

Eu não sabia se ficava grato por Daniel trocar de assunto ou se ficava puto por ele trazer o tempo de volta na conversa. Estudei o sorriso torto dele sobre seu canino afiado, era quase impossível ficar puto com ele.

Estava tão focado em Yuri que tinha esquecido que Daniel estava na ponta da mesa. Observei de soslaio enquanto Daniel tirava um palito do paliteiro e o mordia com os molares distraído.

- Eu nunca tinha ouvido você falar mais de duas palavras na mesma frase – Bruno comentou ao meu lado.

Resolvi deixar Daniel sozinho com seu momento de peão e responder algo a Bruno, meu impulso era dizer “idem”, mas ao invés disso disse:

- Eu não gosto de falar muito.

- Por quê? – Júlia perguntou.

- Pára com isso – Pedi sério.

- Com o quê?

- Eu só não gosto de falar. Ponto.

- Tipish! – Pasqua fez a sonoplastia de um gesto que sugeria um chicote estalando no ar.

Ao contrário do que esperava, Júlia não ficou fula, não olhou ninguém torto, apenas caiu na risada.

- Não tem fila. – Daniel notou enquanto continuava brincando com o palito entre seus dentes de forma displicente e natural. Já comentei o quanto seus dentes são brancos e brilhantes? Fica a observação.

- Eu vou lá. – Yuri declarou, porém não se levantou de imediato, esperou meio minuto para começar a se mover.

Deixei com que todos saíssem primeiro, me sentia um pouco deslocado no grupo e cansado por causa das conversas.

Pus-me em pé com de corpo mole, morto só de pensar nas cinco aulas vespertinas que estavam por vir.

Arrastei-me até a fila e a ridícula me recebeu com um grande sorriso. Como ela podia ser tão feliz numa tarde de segunda-feira?

- Thiago podia sentar mais perto da gente hoje no cursinho, né, Pasqua?

- É, podia mesmo. – Pasqua concordou com sua voz rouca e única.

- Ele ia se divertir muito mais, não é mesmo?

Achei ter ouvido uma insinuação, mas não comentei deixei o sorriso envolvente de Pasqua responder por mim.

- Sério acho que você podia pelo menos tentar... – Pasqua disse com seu tom de relações públicas – Caso você não se sinta... Ahn... Desconfortável, é claro, mas provavelmente você vai ser entreter com as nossa companhia.

- E sua tarde tediosa vai passar mais rápida. – Júlia interveio antes de ir pagar sua conta.

- Você vai ter a impressão que... sua tarde vai passar mais depressa – Pasqua completou com um sorriso capaz de explodir suas grandes bochechas.

Foi, sua vez de pagar então ele me deu as costas enquanto Júlia voltava em minha direção, ela deu umas batidinhas amigáveis nas minhas costas e comentou:

- Não custa nada tentar, Thiago. Você podia dar uma chance para a gente.

Observei ela se afastar pensativo, estendi meu cartão de crédito platina (o quarto do ano, uma das vantagens de ter um pai funcionário da Bradesco) e comecei a pesar os prós e contras numa balança imaginária.

Odiava admitir, mas talvez a chata tivesse razão, com certeza a convivência dela não valia a pena, mas e os outros?

Olhei rapidamente para o grupo de colegas, Bruno perturbava Júlia com algo enquanto os demais se divertiam com a situação, se divertiam muito.

Resolvi dar uma chance.

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