quarta-feira, 16 de março de 2011

Terceirão AcrE! - Capítulo 4

--- Capítulo 4

Fechei os olhos para não ter que encarar sua reação, de olhos fechados os centímetros que me separavam de sua nuca pareciam quilômetros, a cada milímetro que avançava mais forte meu coração batia.

- Thiago? – Senti uma mão leve em meu ombro, olhei de soslaio para ela, era cheia de anéis prateados – Você tá legal?

Foi então que percebi que até então estava de olhos fechados com o braço esticado, tocando o nada. Recolhi o braço constrangido, o intervalo de 20 minutos já havia começado e eu nem tinha ouvido.

Como a aula do Brandão pode passar tão rápido?

E, merda, como eu pude perder aquela chance?

Deitei na minha carteira puto comigo mesmo. Covarde, eu era um covarde.

- Ei, Thiago. – Júlia (a chata, não a outra Júlia que voltara para o país há pouco tempo depois de um intercâmbio de um ano no Canadá) insistiu e me surpreendi quando senti seus dedos passarem pelos meus cabelos – Você está bem?

Levantei meu rosto e a respondi com uma pergunta que me parecia mais instigante.

- Por que você está bagunçando meus cabelos?

Júlia tirou sua mão e fez um gesto como quem pedisse paz no meio da Faixa de Gaza.

- Achei que você estava precisando de um abraço.

Meu Deus! De que universo da Disney ela tinha saído? Do mundo mágico do Ursinho Pooh?

Júlia se sentou de lado na cadeira que Henrique havia deixado vaga, notei que seus pés não alcançam o chão.

- Estamos no terceiro ano, Thiago! No último ano do Ensino Médio.

Olhei para ela impassível, eu não fazia idéia de onde ela queria chegar.

- Só acho que você devia aproveitar melhor esse momento. Olha a turma bacana que a gente tem... – Júlia fez um gesto amplo e dramático, seu surto de diva tinha se intensificado desde que ela tinha sido nomeada a oradora da sala.

Para não parecer grosseiro, segui seu movimento com o olhar e encontrei Thierry e Nelson fazendo a dança – constrangedora – da vitória no truco.

- Ok... – Ela comentou constrangida – Isso foi bizarro, mas pode ficar frio que Thierry não morde... A não ser que você peça.

Júlia riu da própria piada e eu concluí que ficar quieto era a maneira mais efetiva de não incentivá-la a continuar falando.

- É, desculpa por isso. Foi péssima.

Continuei olhando para ela frio, frígido, cruzei os braços sobre o peito esperando que a idiota se tocasse que eu não dava a menor importância para o que ela dizia.

O pré-projeto de Barney limpou a garganta antes de continuar o discurso que parecia muito bem decorado.

- Thiago você não precisa se isolar assim da sala, socializar é legal

Revirei os olhos com desgosto, aquele dia estava bom de mais para viver perfeito para terminar perfeito.

- Socializar é legal – Ela repetiu devagar como se eu fosse um retardado, ou pior, uma criança ainda não alfabetizada - Thiago, você pode ter amigos!

Que mocréia presunçosa, de onde ela tirara que eu não tinha amigos?

- Você não precisa enfrentar a pressão do terceiro ano sozinho. Você não pode deixar esse ano passar em branco!

O jeito que ela falava me dava nos nervos, era exagerado, dramático e ritmado, odiava suas expressões faciais ainda mais exageradas e artificiais.

Ai, se eu tivesse uma shot-gun. Poderia acabar com aquilo naquele mesmo instante.

Minha relação, ou melhor minha não relação, com Júlia só piorara no início do segundo semestre quando descobri que teria que passar as tardes di cursinho na sala dela e não na do Henrique.

- ... Além do mais, eu vi como você olha para ele – Eu a ouvi dizer.

- Quê?

- Eu vi como você olha para ele, Thiago – Júlia repetiu, só que falou mais baixo, como se estivesse prestes a revelar quem matara Lineu*.

De onde ela tirara aquilo? Só podia ser blefe. Eu não era tão indiscreto assim.

- Você não é nem um pouco sutil, Thiago.

Resolvi entrar no jogo sádico dela.

- Do que você está falando, mulher?

- Bawden. – Ela sussurrou.

Nunca achei que uma palavra pudesse me causar tanto pânico.

Não era blefe, Júlia sabia.

E eu estava fodido.

- Se você quiser conversar, Thiago. – Júlia disse e, forçando a intimidade que não tínhamos, colocou uma das minhas mechas castanhas que caiam sobre meus olhos atrás da minha orelha – Eu sei seu segredo e vou guardá-lo muito bem.

Eu não soube o que dizer, minha língua parecia chumbada na boca e meus movimentos pareciam lentos demais.

Observei Júlia conversar rapidamente com a japa Paula Tôgo, sobre vampiros de uma série ridícula.

Estava perdido, em choque e, para foder de vez, ainda era segunda-feira.


* Drama de uma novela da Rede Globo.

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