quarta-feira, 16 de março de 2011

Terceirão AcrE! - Capítulo 9

Assíduos leitores, peço ajuda para revisar os textos, eu estou na febre aqui digitando loucamente na esperança de adiantar o trabalho bastante antes do início da UnB, muitos erros e incoerências acabam passando, então se você achou algo errado ou não entendeu um trecho, não tenha pudor e venha falar comigo ok?
Beijos, JGisler

--- Capítulo 9
No mesmo dia, Júlia veio me procurar durante os cinco minutos de intervalo, com uma expressão de sofrimento e melancolia profundos, causados pela heresia de Max.

- Estou de luto. – Ela declarou desabando na cadeira vazia atrás de mim, em normalmente Eduardo Nery se sentava, mas ele havia faltado, era de seu hábito faltar pelo menos uma vez na semana. – Quer se juntar a mim?

- Prefiro ficar no meu solitário ostracismo sofredor.

- Você é um poeta emo. – Ela disse desdenhosa.

- Não sou emo. – Protestei, para fortalecer minha defesa tirei minha franja escura dos olhos.

- Claro que não! Por isso que você tem um pôster do MCR no quarto.

Ela não conhecia meu quarto, contudo ela dera um belo chute, o único detalhe era que o pôster não era do My Chemical Romance, então a corrigi:

- É do Tókio Hotel o pôster que tenho no quarto. E o vocalista é gato.

- É o seu lado heterossexual falando, Thiago, aquela coisa andrógena está mais para mulher do que para homem.

- Não enche.

Acompanhei a movimentação da sala com o olhar, eles pareciam ansiosos para a semana de provas, supunha que muitos deviam notas altas para passar.

Parte da sala que não saíra para comprar fichas na cantina ou pegar coisas no armário estava debruçada sobre as questões de Física que Marcos Kanso começara a fazer em sala, ele era de longe um dos professores que mais gostava, tinha personalidade por alternar sua ida na escola entre um fusca tunado e uma bicicleta, era daltônico e poderia ser facilmente descrito pela fusão entre o personagem Sid (da Era do Gelo) e uma pomba que torce o pescoço porque só vê lateralmente.

Yuri estava sem seus óculos e tinha o rosto voltado em nossa direção, contudo encarava uma superfície imaginária, seu olhar estava alto demais para estar olhando para o chão e ao mesmo tempo baixo de mais para estar olhando pela janela, claramente estava imerso em seus próprios pensamentos e, estranhamente, continuava sexy.

Júlia calculou a altura que ele olhava e mexeu a mão histericamente para despertá-lo de sua transcendência, ele se assustou com a abordagem empregada por ela, sorriu envergonhado como quem é flagrado fazendo algo errado e voltou a olhar para seu caderno.

- Quando eu viajava na maionese, meu pai costumava me falar “uma moeda pelo seu pensamento” – Júlia me confidenciou. – Eu já estaria rica se soubesse o que responder.

- Como assim? Você não sabia o que estava pensando.

- Pô, , eu estava viajando na maionese, ao mesmo tempo que eu pensava em tudo, pensava em nada, nunca sabendo em que especificamente estava pensando, nada que pudesse ser explicado na hora com palavras pelo menos.

- Você é doida, Júlia.

Ela sorriu como se ser chamada de doida fosse um elogio e deu os ombros.

Deixei novamente meu olhar vagar pela sala até encontrar Paulo arrumando seu material sob a carteira, não sei porque eu tinha vontade de mordiscar os nós de seus dedos.

Dessa vez eu fui flagrado por Júlia.

- Você deveria parar de olhar Paulo assim. – Ela comentou baixinho.

- Assim como? – Perguntei sem tirar os olhos dele que estava conversando com Pedro e se espreguiçando, queria estar mais perto dele para ouvir seus ossos estalando.

- Como se ele fosse um pedaço de picanha. Vai deixá-lo constrangido. – Aquilo soava ainda mais engraçado pelo fato dele ser vegetariano também.

- Se ele fosse um pedaço de picanha...

- Não! Caralho, não continue, Thiago!

- ... O comeria por in...

- Puta que pariu, cala a boca! – Júlia choramingou – Não macule a imagem que tenho de Paulo... por favor.

- ... com molho barbecue.

- Ai! Meus olhos ardem, MEUS OLHOS ARDEM. – Júlia fechou os olhos com as mãos e pareceu agonizar sobre a carteira. – POR QUÊ? Seu bosta, bundão, nunca mais vou conseguir ver Paulo da mesma maneira.

Eu sorri torto para ela e disse sério:

- Faz um tempo que eu não como carne vermelha.

- Virar vegetariano não vai fazê-los mudar de time. – Júlia disse com simplicidade, notei que ela não conseguiu olhar para mim por muito tempo.

A aula do Brandão já havia começado, mas continuamos conversando enquanto ele não conseguia controlar a turma.

- Dia 14 foi dia de sair do armário, Thi. Você deveria ter aproveitado a data. – Ela me provocou falando baixinho perto do meu ouvido.

- Não me chame de Thi. – Retruquei olhando por cima do ombro para ela. – E eu, de fato, teria aproveitado a data, se eu tivesse algum companheiro de barco, como Yuri.

- Vá tomar no cu, antes que eu me esqueça. – Júlia falou num sussurro urgente. – Não macule Yuri com seus planos sórdidos, já me basta Paulo. E mais... Reflita comigo, para sair do armário, Thiago, a pessoa tem que ter entrado nele um dia.

Ok, o raciocino dela me pareceu bastante lógico e plausível.

- Você já sabe se ele é... ? – Júlia indagou calmamente e deixou o resto da pergunta no ar, provavelmente era um assunto delicado e era meu dever adivinhar do que ela falava.

- Quê? – Estava meio impaciente para joguinhos.

- Você sabe ser Bawden dá... ré no quibe?

Não consegui segurar minha risada.

- Ré... No... Quibe? – Perguntei entre as gargalhadas. – Quem diz isso hoje em dia?

- CALA A BOCAAAA! – Gritou Ivy, impaciente, aparentemente eu havia esquecido que estávamos tento uma aula importantíssima de Geografia.

- Desculpa! – Murmurei para a menina que me lançou um sincero olhar homicida.

Olhei para Júlia atrás de mim e trocamos um olhar cúmplice, pude ver por antecipação nos seus olhos que ela ia cair na risada, ela escondeu o rosto na carteira e tentou abafar o som e precisei fazer o mesmo.

Em poucos segundos ela conseguiu se acalmar e passou a se fingir de interessada nos slides que o professor passava, ela era muito boa nisso, por fizera até algumas perguntas complexas para o professor.

Lá pelas tantas senti algo bater em minha cabeça e um bilhete que fora tortamente arremessado caiu em minha carteira, pude ouvir Júlia novamente abafar uma risada, ela não tinha uma coordenação motora decente.

Acho que você deveria saber. Quer que eu pergunte prá ele?

P.S.: É a Júlia

Nem precisei pensar muito para respondê-la.

“Você é LOUCA! Hoje é segunda-feira! Nenhuma boa notícia chega numa segunda-feira!”

Deixa de ser supersticioso. Não vai ser o dia da semana que vai mudar a resposta dele.”

Novamente ela conseguiu ser bastante coesa, não tinha o que dizer para ela.

Terceirão AcrE! - Capítulo 8

--- Capítulo 8

Antes que eu pudesse perceber, o tempo continuou passando de maneira cruel e ligeira. Nesse meio tempo foi divulgado o resultado do vestibular do meio do ano, então o Terceiro E se despediu de alguns de seus integrantes que encontram a luz, Ricardo passara para Geologia, então Rafael Henrique se sentiu mais seguro, já considerava o título de macha alfa seu. Diziam que Arthur havia passado para Farmácia, mas Alex sempre dava sua risadinha quando Henrique falava isso, então eu desconfio que seja mentira.

Eduardo Manchur também passara em Geologia, então eu jamais saberei se ele um dia fará a sobrancelhas. As piores perdas, na minha opinião, foram por causa da Engenharia Mecânica que tirou Incaua e Carlo de nosso convívio, suas piadas e comentários sagazes vinham em momentos muito propícios (normalmente alguns segundos antes de convulsões espontâneas que tinha eu que enfrentar por causa do tédio).

As aulas se tornaram mas chatas e difíceis de se suportar, mas como disse antes, apesar do tédio o tempo passou rápido, a semana do saco cheio foi comprimida para dois (DOIS) dias (Maldito seja o Sigma!) e escorreu pelos meus dedos enquanto segurava meu controle de PS3.

A semana de provas já estava por vir, mas eu não estava nem um pouco preocupado. Estava relapso, calmo, ou seja, estava cagando e andando para ela.

Sabia que nenhuma formativa minha estava zerada – até então – o que significava que bastavam alguns décimos nas provas para que eu conseguisse cobrir o que devia na pontuação.

Eu também tinha consciência de que eu não podia continuar com aquela atitude, que era errado não se importar em conseguir uma boa nota. Contudo não me sentia motivado para estudar, acho que isso é comum para quem quer cursar Arquivologia ou Biblioteconomia.

Eu me sentia tão estranho, tão perdido.

O sentimento apenas se amplificou quando Max chegou naquela segunda-feira fatídica (dá até a impressão que minha vida se limita a segundas-feiras).

Assim que o viu, Júlia (ainda intragável, contudo quase suportável) afundou o rosto no caderno, Thierry ao seu lado soltou um choro alto e cênico, que era, por alguma razão, uma reação digna para a tragédia.

Entre nós, eu também tive vontade de chorar, Max cometera um pecado mortal, tirara o mundo do eixo, abrira os portões do inferno e massacrara meu tímido e sofrido coração gay.

Ele fizera tudo isto ao mesmo tempo e inconscientemente com o simples ato de cortar seus longos, lindos e loiros cabelos.

Se ele tivesse pelo menos tivesse feito um corte atraente e moderno, mas não deixara tortamente cortado e cheio de falhas, ai, estou sentindo uma pontada no peito, vou morrer de decepção.

Terceirão AcrE! - Capítulo 7

--- Capítulo 7

Ao contrário do que esperava, o trajeto até o restaurante foi rápido, só tive que aturar Júlia falando sobre o tempo.

Só existem dois temas que não gosto de falar:

a) Tempo, principalmente aqui em Brasília, pois quando não estamos na seca, estamos no período chuvoso. Então, no geral, não se fala sobre o tempo, se reclama sobre ele.

Odeio pessoas que só conseguem conversar reclamando sobre um assunto em comum – tempo, escola, política, sistema, sempre os mesmos assuntos.

b) Thiago, é isso aí, eu não gosto de falar sobre mim mesmo, eu nem sequer gosto de pensar sobre mim. Qualquer tentativa de auto-análise termina sempre em uma crise auto-destrutiva.

Ao chegarmos ao restaurante eu me acalmei, bastava escolher uma cadeira bem longe da Júlia... E bem perto de Yuri... Ou Bruno ou Daniel, enfim.

Deixei Júlia se servir primeiro – para assim não deixar ela ter a oportunidade de se sentar perto de mim.

O plano deu certo e conseguir ficar são e salvo, sentado entre Bruno e Pasqua, e diante de Yuri.

Seu prato, assim como o da Júlia, era generosamente colorido por causa da salada. Estudei meu prato, tinha dois bifes mal-passados e sangrentos, bem capazes de mugir quando os espetasse com o garfo.

Eu não podia ter esquecido que ele era vegetariano, podia ter aproveitado aquele momento para impressioná-lo. Eu renunciaria até a minha mãe para impressioná-lo, seria capaz de me tornar macrobiótico e até mesmo ativista do Greenpeace.

Resolvi não chorar sobre o boi mutilado e me ocupei com a missão de estar sempre com comida na boca para não ter que responder as possíveis investidas socializantes de Júlia.

- Você já se apaixonou, Bruno? – Ela perguntou (não sei o que ela tinha na cabeça para fazer esse tipo de coisa).

- Já – Respondeu Bruno monossilábico parecendo constrangido.

A pergunta rodou a mesa, de forma aleatória, e graças ao Divino ela me pulou e perguntou a Yuri:

- E você, Yuri? Já se apaixonou?

- Ele levantou o rosto, mas não olhou para ela, ao invés disso, olhou por cima de seu ombro direito como se estivesse procurando por alguém chamado Yuri.

Júlia riu, mas, como sempre, insistiu.

- Já se apaixonou?

- Faz tempo já.

- Vocês sentem falta... de estarem apaixonados?

- Na verdade não – Yuri respondeu e voltou sua atenção para o filé de peixe em seu prato.

- É, eu tô bem como tô – Bruno concordou.

- Eu sinto falta – Júlia respondeu com um suspiro – E você, Thiago? Sente falta de estar apaixonado?

- Eu queria não estar apaixonado o tempo todo... – Respondi baixo sem saber porque eu falava – Sempre por garato... garotas que nem sabem da minha existência. – Eu levantei o rosto e percebi que todo estavam olhando para mim – Porque eu estou falando isso para vocês?

- É assim que funciona a terapia grupal da Júlia. – Yuri comentou em um tom que beirava a ironia.

- Ei! Vocês têm que aproveitar enquanto ainda é de graça! – Júlia queria cursar Psicologia na UnB – Vocês deveriam me agradecer aliás, pelo menos não estamos falando sobre o tempo.

- Pelo menos choveu ontem – Daniel comentou matando sua coca.

Eu não sabia se ficava grato por Daniel trocar de assunto ou se ficava puto por ele trazer o tempo de volta na conversa. Estudei o sorriso torto dele sobre seu canino afiado, era quase impossível ficar puto com ele.

Estava tão focado em Yuri que tinha esquecido que Daniel estava na ponta da mesa. Observei de soslaio enquanto Daniel tirava um palito do paliteiro e o mordia com os molares distraído.

- Eu nunca tinha ouvido você falar mais de duas palavras na mesma frase – Bruno comentou ao meu lado.

Resolvi deixar Daniel sozinho com seu momento de peão e responder algo a Bruno, meu impulso era dizer “idem”, mas ao invés disso disse:

- Eu não gosto de falar muito.

- Por quê? – Júlia perguntou.

- Pára com isso – Pedi sério.

- Com o quê?

- Eu só não gosto de falar. Ponto.

- Tipish! – Pasqua fez a sonoplastia de um gesto que sugeria um chicote estalando no ar.

Ao contrário do que esperava, Júlia não ficou fula, não olhou ninguém torto, apenas caiu na risada.

- Não tem fila. – Daniel notou enquanto continuava brincando com o palito entre seus dentes de forma displicente e natural. Já comentei o quanto seus dentes são brancos e brilhantes? Fica a observação.

- Eu vou lá. – Yuri declarou, porém não se levantou de imediato, esperou meio minuto para começar a se mover.

Deixei com que todos saíssem primeiro, me sentia um pouco deslocado no grupo e cansado por causa das conversas.

Pus-me em pé com de corpo mole, morto só de pensar nas cinco aulas vespertinas que estavam por vir.

Arrastei-me até a fila e a ridícula me recebeu com um grande sorriso. Como ela podia ser tão feliz numa tarde de segunda-feira?

- Thiago podia sentar mais perto da gente hoje no cursinho, né, Pasqua?

- É, podia mesmo. – Pasqua concordou com sua voz rouca e única.

- Ele ia se divertir muito mais, não é mesmo?

Achei ter ouvido uma insinuação, mas não comentei deixei o sorriso envolvente de Pasqua responder por mim.

- Sério acho que você podia pelo menos tentar... – Pasqua disse com seu tom de relações públicas – Caso você não se sinta... Ahn... Desconfortável, é claro, mas provavelmente você vai ser entreter com as nossa companhia.

- E sua tarde tediosa vai passar mais rápida. – Júlia interveio antes de ir pagar sua conta.

- Você vai ter a impressão que... sua tarde vai passar mais depressa – Pasqua completou com um sorriso capaz de explodir suas grandes bochechas.

Foi, sua vez de pagar então ele me deu as costas enquanto Júlia voltava em minha direção, ela deu umas batidinhas amigáveis nas minhas costas e comentou:

- Não custa nada tentar, Thiago. Você podia dar uma chance para a gente.

Observei ela se afastar pensativo, estendi meu cartão de crédito platina (o quarto do ano, uma das vantagens de ter um pai funcionário da Bradesco) e comecei a pesar os prós e contras numa balança imaginária.

Odiava admitir, mas talvez a chata tivesse razão, com certeza a convivência dela não valia a pena, mas e os outros?

Olhei rapidamente para o grupo de colegas, Bruno perturbava Júlia com algo enquanto os demais se divertiam com a situação, se divertiam muito.

Resolvi dar uma chance.

Terceirão AcrE! - Capítulo 6

--- Capítulo 6

Não ouvi o sinal bater, não percebi quando parte da manada debandou para fora da sala, nem notei que nela estava Henrique, estava perdido em pensamentos nem um pouco ortodoxos.

- Então, Thiago? – Júlia me despertou com um peteleco na orelha.

Levei uma de minhas mãos a orelha para protegê-la, precisei piscar para focalizar Júlia. Quanto tempo perdera naquela fantasia? Cinco, dez minutos?

- Você vai almoçar conosco?

Merda! Não fora Henrique que enviara o bilhete no final das contas. Não precisavam ter mandado logo de cara meu herói, mas custava tanto assim, a essas criaturas superiores, me enviarem alguém menos pior do que ela?

Não verbalizei minha decepção, apenas perguntei a ela sério.

- Quem somos nós?

Júlia riu, tirou os óculos para coçar os olhos castanhos escuros como se estivesse espantando o cansaço.

- Você costuma fazer essas perguntas filosóficas antes do almoço?

- Não foi isso que eu quis dizer – Levantei-me e soquei meu material dentro da mochila – Quem vai almoçar?

- Eu, você...

- Eu ainda não disse que vou – A interrompi.

- Tá azedo, hoje, em?

Não a respondi com palavras apenas lancei o meu olhar (melhor) de tédio, coloquei a mochila nas costas, prono para ir embora.

- Vamos eu, Pasqua, - Ela começou a enumerar – Yuri, Bruno e Daniel.

“Yuri, Bruno e Daniel”, repeti mentalmente. Eita! Eita, eita, eita...

- Vocês vêm? – Uma voz singular perguntou, quase quebrei o pescoço por causa da velocidade que empreguei no movimento de virar o pescoço para olhá-lo.

Yuri manteve o olhar sobre o meu esperando uma resposta, eu perdi as palavras diante de seus olhos claros e desviei meus olhos para seus dedos finos que batucavam inconscientemente uma carteira próxima.

- A comida é boa, Thiago. O restaurante é bacana, barato – Júlia disse tentando me convencer.

- Ok, eu vou. – Respondi.

Ela não sabia, mas já tinha me convencido quando dissera que Yuri Kurovski ia almoçar com ela.

Eu conseguiria suportá-la... Por Yuri.

Terceirão AcrE! - Capítulo 5

--- Capítulo 5

Passei os três horários seguintes tentando me recuperar do trauma, não tinha coragem de olhar para Júlia ou Henrique. Não queria dar munição para a terrorista e muito menos me render a chantagem.

Durante a aula de Fratezzi, um estranho professor de Física que só usava macacões jeans e botas roceiras para lecionar, Thierry jogou uma folha de monobloco que fora dobrada em quatro partes para mim, só havia meu nome escrito do lado de fora.

Passei cinco minutos olhando para o papel esperando que ele saísse andado pela carteira ou explodisse, como uma bomba-relógio.

Nada aconteceu, sinal de que o perímetro estava limpo.

Com cuidado abri o bilhete, já podia prever uma piadinha estúpida ou um desenho obsceno espetando meu olho.

Fiquei muito surpreso quando identifiquei uma letra feminina no papel, pequena e arredondada, havia apenas uma frase.

“Almoça com a gente hoje?”.

Senti minhas sobrancelhas se franzirem. Fato inusitado, dia estranho, concluí.

Muito estranho... Por qual razão eu seria chamado para almoçar? E por quem?

Aquela questão podia me entender na aula sem-fim de André Fratezzi.

Fiquei então concentrado no mistério – afinal quem teria me convidado para almoçar? Ivy? Sempre achei que a menina dos surtos agropecuários tivesse namorado. Helena? Kelly? Não, elas não estavam acostumadas a chegar nas pessoas, os caras é que iam atrás delas. Olhei para o lado procurando uma folha igual a do bilhete pelas carteiras dos meus colegas mais próximos. Sem sucesso.

Quem poderia ser?

“Almoça com a gente...”, significa que são duas ou mais pessoas. Quem na sala nunca anda sozinha?

Olhei imediatamente para o grupo de meninas que sentava algumas carteiras a minha frente; Paula Tôgo, Bianca, Isabela, Maria Júlia e Júlia Braga (a canadense, não a chata). Quase cai na gargalhada. Aquilo era impossível. Elas não falavam com meninos ou, pelo menos, nunca em público. Descartei-as da minha lista de suspeitos.

Jéssica... O nome me ocorreu depois que eu a ouvi reclamar sobre algo, como habitual. A menina... Não, ela não era uma menina mais, era mulher. Ela sorria com facilidade e gesticulava também de maneira espontânea, movendo as mãos grandes. Falava um pouco arrastado, com seu fraco sotaque mineiro de Paracatu.

Se eu acreditasse em conceitos metafísicos poderia dizer que Jéssica transmitia uma boa energia, onde quero chegar é que a mineira nunca estava sozinha, sempre tinha alguém em sua órbita.

Ainda assim, não fazia sentido, por que ela me chamaria para almoçar?

Acho que estou sendo preconceituoso, se me pegasse como exemplo já acharia uma exceção, garotos não necessariamente tinham garranchos. A letra do bilhete não era obrigatoriamente de uma menina.

Talvez os deuses pagãs haviam finalmente ouvido minhas preces e Henrique finalmente me notara.

Parecia igualmente improvável, mas aquele dia estava tão bizarro mesmo.

Já tinha certeza agora, só podia ser Henrique. Suspirei tentando me recompor, era só uma questão de tempo para que ele viesse até mim.

Terceirão AcrE! - Capítulo 4

--- Capítulo 4

Fechei os olhos para não ter que encarar sua reação, de olhos fechados os centímetros que me separavam de sua nuca pareciam quilômetros, a cada milímetro que avançava mais forte meu coração batia.

- Thiago? – Senti uma mão leve em meu ombro, olhei de soslaio para ela, era cheia de anéis prateados – Você tá legal?

Foi então que percebi que até então estava de olhos fechados com o braço esticado, tocando o nada. Recolhi o braço constrangido, o intervalo de 20 minutos já havia começado e eu nem tinha ouvido.

Como a aula do Brandão pode passar tão rápido?

E, merda, como eu pude perder aquela chance?

Deitei na minha carteira puto comigo mesmo. Covarde, eu era um covarde.

- Ei, Thiago. – Júlia (a chata, não a outra Júlia que voltara para o país há pouco tempo depois de um intercâmbio de um ano no Canadá) insistiu e me surpreendi quando senti seus dedos passarem pelos meus cabelos – Você está bem?

Levantei meu rosto e a respondi com uma pergunta que me parecia mais instigante.

- Por que você está bagunçando meus cabelos?

Júlia tirou sua mão e fez um gesto como quem pedisse paz no meio da Faixa de Gaza.

- Achei que você estava precisando de um abraço.

Meu Deus! De que universo da Disney ela tinha saído? Do mundo mágico do Ursinho Pooh?

Júlia se sentou de lado na cadeira que Henrique havia deixado vaga, notei que seus pés não alcançam o chão.

- Estamos no terceiro ano, Thiago! No último ano do Ensino Médio.

Olhei para ela impassível, eu não fazia idéia de onde ela queria chegar.

- Só acho que você devia aproveitar melhor esse momento. Olha a turma bacana que a gente tem... – Júlia fez um gesto amplo e dramático, seu surto de diva tinha se intensificado desde que ela tinha sido nomeada a oradora da sala.

Para não parecer grosseiro, segui seu movimento com o olhar e encontrei Thierry e Nelson fazendo a dança – constrangedora – da vitória no truco.

- Ok... – Ela comentou constrangida – Isso foi bizarro, mas pode ficar frio que Thierry não morde... A não ser que você peça.

Júlia riu da própria piada e eu concluí que ficar quieto era a maneira mais efetiva de não incentivá-la a continuar falando.

- É, desculpa por isso. Foi péssima.

Continuei olhando para ela frio, frígido, cruzei os braços sobre o peito esperando que a idiota se tocasse que eu não dava a menor importância para o que ela dizia.

O pré-projeto de Barney limpou a garganta antes de continuar o discurso que parecia muito bem decorado.

- Thiago você não precisa se isolar assim da sala, socializar é legal

Revirei os olhos com desgosto, aquele dia estava bom de mais para viver perfeito para terminar perfeito.

- Socializar é legal – Ela repetiu devagar como se eu fosse um retardado, ou pior, uma criança ainda não alfabetizada - Thiago, você pode ter amigos!

Que mocréia presunçosa, de onde ela tirara que eu não tinha amigos?

- Você não precisa enfrentar a pressão do terceiro ano sozinho. Você não pode deixar esse ano passar em branco!

O jeito que ela falava me dava nos nervos, era exagerado, dramático e ritmado, odiava suas expressões faciais ainda mais exageradas e artificiais.

Ai, se eu tivesse uma shot-gun. Poderia acabar com aquilo naquele mesmo instante.

Minha relação, ou melhor minha não relação, com Júlia só piorara no início do segundo semestre quando descobri que teria que passar as tardes di cursinho na sala dela e não na do Henrique.

- ... Além do mais, eu vi como você olha para ele – Eu a ouvi dizer.

- Quê?

- Eu vi como você olha para ele, Thiago – Júlia repetiu, só que falou mais baixo, como se estivesse prestes a revelar quem matara Lineu*.

De onde ela tirara aquilo? Só podia ser blefe. Eu não era tão indiscreto assim.

- Você não é nem um pouco sutil, Thiago.

Resolvi entrar no jogo sádico dela.

- Do que você está falando, mulher?

- Bawden. – Ela sussurrou.

Nunca achei que uma palavra pudesse me causar tanto pânico.

Não era blefe, Júlia sabia.

E eu estava fodido.

- Se você quiser conversar, Thiago. – Júlia disse e, forçando a intimidade que não tínhamos, colocou uma das minhas mechas castanhas que caiam sobre meus olhos atrás da minha orelha – Eu sei seu segredo e vou guardá-lo muito bem.

Eu não soube o que dizer, minha língua parecia chumbada na boca e meus movimentos pareciam lentos demais.

Observei Júlia conversar rapidamente com a japa Paula Tôgo, sobre vampiros de uma série ridícula.

Estava perdido, em choque e, para foder de vez, ainda era segunda-feira.


* Drama de uma novela da Rede Globo.

terça-feira, 15 de março de 2011

Terceirão AcrE - Capítulo 3

-- Capítulo 3

Meu carma não andava generoso há quase duas semanas. Meu mês começou a ficar realmente interessante numa segunda-feira, acontecimento, no mínimo, inusitado.

Ninguém normal espera que algo de bom aconteça numa segunda, e muito menos em uma aula de Geografia do Brandão.

Mas foi o que ocorreu, já estava me preparando psicologicamente para uma semana do cão que estava para vir, as suas primeiras aulas (por mais que eu adore Física Moderna) estavam fazendo essa previsão.

No terceiro horário, a minha sorte mudou por completo. Alguém ouvira minhas preces, observei boquiaberto Henrique Bawden arremessar seu material para a cadeira a minha frente.

Epa, epa, epa. É isto, estou sonhando. Henrique raramente se sentava mais a frente e... CARALHO, era a aula do Brandão! Nem a estúpida da Júlia levava aquela aula a sério.

- E aí, cara? – Ele me cumprimentou, a frase foi acompanhada por um sorriso entre seus lábios maltratadamente rachados.

Eu gaguejei – ou pelo menos tentei – algo que soou como “Belê”.

Alex se sentou ao seu lado e trocou um sorriso cúmplice com Henrique. A razão estava sentada a sua esquerda, Kelly.

Por que estou perdendo meu tempo com eles?

Henrique está perto de mim, pertíssimo. Eu não podia perder esta chance!

Escute aqui. E preste atenção. Acredite em mim quando digo que perfeição existe e é inacreditavelmente real.

A perfeição tem nome e sobrenome e estava muito perto de mim, apenas centímetros nos separavam, menos de 30. Bastava esticar um pouco meu braço e seria capaz de tocá-lo.

Porém do que adiantava poder tocá-lo?

Passara dias, ou melhor, passara anos fantasiando com aquele momento, fantasiara anos com a chance de poder sentir o que era ter a personificação de todos meus amores platônicos (irrealizáveis) em um único cara.

Já perdera noites imaginando como seria beijá-lo.

Céus! Eu pareço tão feio perto dele, tão fútil, tão burro, tão gordo. Tão não atraente.

Ele nunca seria meu.

Seria muito errado, pelo menos tentar? Levantei a minha mão lentamente ao seu encontro...

Terceirão AcrE - Capítulo 2

-- Capítulo 2

Como não havia mais nada de produtivo a fazer, me dediquei a aventura de contar as gotas de sujeira que manchavam o teto branco da sala.

Não me lembrava de como aquilo parara ali, nem o que era aquela estranha substância.

Se tédio matasse... O professor de Literatura já teria sido processado por seus massacres homicidas quinzenais.

Atrás de mim os demais garotos faziam força para se manter despertos.

Uma, duas, três... treze, catorze, quinze... quarenta e oito, cinqüenta e duas, cinqüenta e oito machas, constatei, se contasse até mesmo as menores gotas respingadas.

Céus, o que era aquilo ?

Procurei outra coisa para contar, passei os olhos pela sala, duas cadeiras a minha esquerda, Júlia (a insuportável) se ocupava mutilando uma borracha laranja com uma de suas unhas feias e mal cortadas.

Pelo menos ela tinha largado os cabelos de Max, tentei me conformar, continuei a observá-la, ela agora se achava girando uma caneta na mão, deixando-a cair inúmeras vezes no chão. Pobre Bic.

O sinal bateu e pude respirar aliviado, satisfeito por ter sobrevivido àquele desafio mortal, o alívio, porém, sublimou quando Erick entrou na sala.

“Nãããoooo!”, eu quis gritar, mas não tinha forças para isso. Afundei meu rosto na carteira.

Cinqüenta minutos de pura tortura, já conseguia imaginar meu sangue, bile e vísceras no chão da sala.

Eu não ia conseguir. Meu Deus eu não vou conseguir, girei no assento da cadeira e encostei minhas costas na parede que antecede a janela. Tinha uma visão de área pemium de Júlia (a megera) molestando os cabelos áureos de Max.

Era o sinal do apocalipse, o destino havia sido traçado. Hoje era o dia que eu morreria – virgem – de tédio.

Não me restava mais nada a não ser me fingir de interessado no assunto, talvez a monotonia não viesse buscar minha alma.

Eu também poderia tentar ser um bom filho e escrever um recado post-mortem aos meus pais.

Posei a caneta Bic azul sobre a folha de caderno. O que poderia escrever?

“Pai, mãe, fui gay” ?.

Eu deveria pelo menos me desculpar pelos transtornos que causaria, funeral, missa, cremação, um possível processo judicial contra o colégio... Mesmo depois de morto continuaria tentando falir a minha família.

A quem estou tentando enganar? Eu teria que morrer pelo menos cinco vezes para conseguir deixar minha família no vermelho.

- Vocês... já assistiram... ? – Professor de Biologia atraiu minha atenção. Ele olhava para a turma de forma curiosa, tentando criar suspense – Vocês já assistiram ao filme... ? – Ele esperou (inutilmente) que os tambores soassem - Robocop?

Parte da turma caiu na risada enquanto o restante encarou o professor sem acreditar que ele pudesse fazer algo produtivo de seu comentário.

Suspirei profundamente e cocei meus olhos, com força suficiente para deslocar a retina. Faltavam 40 minutos.

Terceirão AcrE - Capítulo 1

-- Capítulo 1

Minha vida nunca foi fácil, foi muito confortável, não nego, mas sempre me senti deslocado sendo o último filho de um casal que tivera três mochinhas antes de mim.

Se eu pudesse escolher minha opção sexual, teria escolhido o caminho mais fácil. Fora um choque quando percebi que só acompanhava o Brasileirão por causa dos jogadores suados de coxas (e todo o resto) fortes, fora um choque quando percebi que só lia a Playboy pelas piadinhas pornográficas.

Eu não soube o que fazer quando notei que os modelos de cueca me atraiam mais que Juliana Paes (ou qualquer outra mulher que posava usando Lupo ou Hope).

Passei parte do meu Ensino Fundamental tentando provar a mim mesmo que meninas podiam ser interessantes. Beijara até algumas.

Quando cheguei ao Ensino Médio já estava convencido que não adiantava negar.

Eu gostava de garotos. Garotos com barba por fazer e pescoço salgado, fantasiava diariamente com beijos selvagens e abraços fortes.

E o que eu podia fazer para realizar meus sonhos insólitos? Aqui, nessa maldita cidade conhecida como escala para o inferno, a homossexualidade parecia ser sinônimo de irresponsabilidade suprema. Para ser gay em Brasília era quase obrigatório ser um bêbado porra-louca. Isso me deixa puto.

Muito puto.

Eu não queria me embebedar para pegar um cara que já havia rodado a capital (mais Entorno) inteira.

Não... Eu, como qualquer outra pessoa, quero romance, quero ser amado.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Terceirão AcrE! - Prólogo

Depois de um longo e tenebroso inverno (ou não! xD) Cumpro a promessa, aguardem pelos próximos capítulos!



---- Prólogo ----

A aula de Química ainda não nem havia começado oficialmente, o professor ainda não havia feito a chamada, o que era raro, ele adorava tirar o máximo de pontos possível dos alunos atrasados. Apesar de tudo isso, jpa me encontrava em um estado de desespero letárgico.

Voltei meu olhar para meu colega da frente, na esperança de puxar papo com ele, porém quando reconheci os cabelos volumosos de Júlia Gisler, mudei de idéia, eu odiava aquela guria de fala e expressão exageradas, vítima de complexo de diva. Olhei então para trás, porém Arthur Sabino já parecia roncar pesado, mesmo que ele estivesse acordado, não teria muito assunto com ele, apenas piadinhas fúteis.

Resolvi estudar a sala, meu hábito começara a se tornar comum desde o início do segundo semestre, quando Breno – acompanhado por Heitor – deixou a escola. Eu não precisava mais constantemente me abaixar para fugir de seus escarros nem imaginar as surpresinhas gosmentas que eu iria encontrar quando lavasse meus cabelos castanhos.

Quando uma rotina de tensão acaba, temos que encontrar algo para nos distrair.

Juarez estava estranhamente mais atraente aquela manhã, vestindo uma blusa regata. Eu invejei Júlia por estar sentada atrás dele, naquela hora, ele costumava cheirar muito bem no primeiro horário, como um colombiano para o baile.

Ele conversava algo com Viktor Nelson que era alto, tinha o rosto arredondado e cabelos negros. Nelson estava constantemente sorrindo ou sempre fazendo os outros sorrirem. Acho que era por causa de seu jeito alegre e atrapalhado que ele me lembrava o protagonista de Happy Feet.

Nelson fazia parte do grupo de pessoas que eu considerava pacíficas e divertidas, juntamente com Rafael Incaua e Eduardo Manchur ( o último nadador – sem comentários – se ele fizesse as sobrancelhas tentaria pegar). Os três costumavam falar baixo e trocar comentários irônicos durante a aula.

Observei Eduardo Nery entrar na sala afobado, ele me cumprimentou com um aceno, porém foi Júlia que respondeu ao seu melhor amigo. Ela achava que tudo girava ao seu redor, rodei os olhos com desprezo e dei uma olhada de soslaio para Eduardo.

Era quarta-feira, o que significava que teria a torturante aula de Educação Física de tarde, o que significava que ele estaria usando a bermuda do colégio, expondo suas pernas delicadas e delineadas – que eu apreciava muito. Elas continuavam bonitas, suspirei fundo, queria ter mais assunto com Eduardo, mas só falávamos sobre simulações e política e ele tinha o irritante hábito de fazer com que me sentisse idiota pelas coisas que não sabia.

Ouvi um comentário estúpido soar na sala e meu olhar posou imediatamente sobre Rafael Henrique. Ele tinha cabelos castanhos brilhantes, 1,93 de altura, acompanhado de mãos extremamente grandes e um nariz respeitável, capaz de salvá-lo de uma queda de um precipício, se, hipoteticamente, ficasse pendurado pelas fossas nasais. Achava-o egocêntrico e meio sem noção.

Mais sem noção do que ele, talvez fosse apenas Gabriel Gameiro ( um carioca baixo, malhado e marrento) ou mesmo Ricardo – que media quase 2 metros, era tão rejeitado quanto eu. Ricardo tinha a missão épica de ser eleito o macho-alfa da sala.

A frente dele estava Pedro que já anotava algumas coisas no caderno, ele era o que chamaria de meu tipo, não era muito alto e tinha porte de lutador de kung-fu. Adorava assisti-lo nos treinos de basquete, ele voava rumo a cesta superando a suposta vantagem de Rafael no jogo.

Perto dele estavam sentados Bruno e Daniel, os novatos de outra cidade. Bruno tinha um jeitão de diamante não lapidado, mas podia sentir seus traços de galã na pele. Já Daniel estava pronto, alto, com moicano em seus cabelos castanhos claros, olhos igualmente claros e sorriso torto. Daniel era sem dúvida um dos meninos mais bonitos da sala.

Seu brilho só era ofuscado apenas pelos olhos verdes, voz rouca e sorriso tímido de Yuri Kurovski. Este era a carne nova da sala, amor platônico inalcançável das meninas que esperavam que seu querido viking tomasse alguma atitude, coisa que ele não parecia querer fazer de jeito nenhum. Para a infelicidade de todos, inclusive eu.

Tudo que Yuri tinha de recatado, Carlo não tinha. Ele costumava despir as meninas (todas elas) com o olhar, era um “metralha” e, pelo que ouvira, se drogava com substâncias lícitas e ilícitas. Eu me pegava pensando às vezes se ele considerava mudar de time, ele tinha fama de ter uma boa pegada.

Deus sabe como estou precisando de uma. Merda, não devia ter metido Deus na história, é melhor já pedir ajudar para encomendar minha alma.

Há três ajudantes em potencial: João (que mede o mesmo que eu, está com a barba sempre por fazer, seu sorriso era felino quando falava com as meninas, sorriso que me dava arrepios), Gabriel Pasquarelli (ou só Pasqua, era fofinho, tinha fala mansa e voz rouca, rouquissíma, ele lutava para não perder a voz no meio de uma sentença) e por último, e não menos importante, Paulo Fernando.

Paulo, só de pensar nele meu coração dava um aperto. Ele era um homem feito, um dos poucos da sala, era tímido, tinha uma moral invejável e traços sedutores de um descendente de italiano.

Ai, ai, ai, Paulo, por que você é tão bom? E por que é tão evangélico?

- Ei, cara! – Michel Baltazar, o baiano deu um tapa no meu ombro e me tirou do meu culto de adoração ao Paulo – A chamada!

- Presente! – Respondi.

O professor Mário me olhou feio por cima das lentes quadradas de seus óculos. “Tu sabe que sua formativa é zero”, pensei ouvi-lo dizer, apenas o ignorei.

“Obrigado”, disse sem fazer som para o baiano de pele escura e porte avantajado (no sentido gordo de ser), ele era divertido, falava rápido, atropelando as palavras quando não o fazia gaguejava eternamente.

Atrás dele estava Luiz Guilherme, seu protótipo de nerd me dava nos nervos, não sabia se era sua cabeça desproporcional ou sua franja irregular que me remetia ao personagem Mandarke do Laboratório de Dexter.

Aconteceu um barulho alto causado pela queda de uma pilha de livros, o rosto branco de Victor Thierry atingiu rapidamente o tom páprica para a sala, o vermelho contrastava com seus singulares olhos azuis elétricos.

- Malz aê! – Ele murmurou entre os dentes e se abaixou para pegar os livros. Seus movimentos foram acompanhados por Alex Cortez com o olhar. Um roqueiro de cabelos compridos, cacheados e pretos, que quase tocavam seus ombros. Ele estava sempre com cara amarrada e tinha uma risada peculiar que podia ser literalmente representada por “kkkkkkkkkkk”.

O sinal para o segundo horário tocou e antes que o professor tivesse saído de sala, parte dos alunos atrasados entrou, entre eles Max.

Eu tinha vontade de passar horas estudando aqueles olhos verdes cor de musgo, passava muito tempo fantasiando como seria acariciar seus longos cabelos, loiros dourados, da raiz as pontas, eu conseguia imaginar sua textura entre meus dedos. Eu tinha que mordê-los quando ele resolvia sentar perto de mim, sabia que um dia não iria me conter e daria um puxão no seu rabo-de-cavalo.

Eu não conseguia imaginar sua reação quando esse dia chegasse. Se Alex – que dá pinta mesmo tendo namorada – me lançou um olhar fulminante quando acidentalmente toquei o topo de sua cabeça enquanto me espreguiçava, Max que era heterossexual-sem-dar-pinta ia ficar, no mínimo, em estado de choque.

Joguei meu livro de química embaixo da carteira e peguei o livreto de artes cênicas.

Seria mais uma aula torturante, já estava desistindo da vida quando ele chegou a sala.

Vivia me perguntando se Henrique sabia o quão atraente ele era. Se ele sabia das mechas ruivas que apareciam em seus cabelos quando ele estava no sol, se sabia quão másculo ele parecia quando ele crispava o lábio superior quando tinha uma pergunta.

Henrique chegava na sala confiante, com um olhar ausente como estivesse com muita coisa na cabeça. E sempre, sempre, usando calças slim que marcavam a bunda que ele não tinha.

Para mim aquilo era um desfile, o mundo perdia o sentido quando ele vinha andando em slow motion em minha direção.

Tudo que eu mais queria no mundo era beijá-lo dos pés a cabeça, sentir sua tentativa de cavanhaque no meu pescoço e ouvir sua voz chamando por mim.

Michel desferiu outro golpe.

- Acorda! A chamada! – Ele disse apontando para o professor Rômulo de Artes Cênicas que escolheu uma expressão de superioridade e maldade para me olhar, foi o suficiente para despertar desejo.

- Aqui – Respondi.

A essa altura do campeonato, o leitor já deve estar se perguntando se Júlia é a única menina da sala.

A resposta é não, poderia gastar tempo e linhas listando as meninas que ocupam a sala.

Mas a verdade é que prefiro não fazê-lo. Não são as meninas que fazem meu coração disparar com seus cheiros, gestos e vozes. Elas são irrelevantes.

Sou Thiago, um garoto que gosta de garotos.