terça-feira, 15 de março de 2011

Terceirão AcrE - Capítulo 2

-- Capítulo 2

Como não havia mais nada de produtivo a fazer, me dediquei a aventura de contar as gotas de sujeira que manchavam o teto branco da sala.

Não me lembrava de como aquilo parara ali, nem o que era aquela estranha substância.

Se tédio matasse... O professor de Literatura já teria sido processado por seus massacres homicidas quinzenais.

Atrás de mim os demais garotos faziam força para se manter despertos.

Uma, duas, três... treze, catorze, quinze... quarenta e oito, cinqüenta e duas, cinqüenta e oito machas, constatei, se contasse até mesmo as menores gotas respingadas.

Céus, o que era aquilo ?

Procurei outra coisa para contar, passei os olhos pela sala, duas cadeiras a minha esquerda, Júlia (a insuportável) se ocupava mutilando uma borracha laranja com uma de suas unhas feias e mal cortadas.

Pelo menos ela tinha largado os cabelos de Max, tentei me conformar, continuei a observá-la, ela agora se achava girando uma caneta na mão, deixando-a cair inúmeras vezes no chão. Pobre Bic.

O sinal bateu e pude respirar aliviado, satisfeito por ter sobrevivido àquele desafio mortal, o alívio, porém, sublimou quando Erick entrou na sala.

“Nãããoooo!”, eu quis gritar, mas não tinha forças para isso. Afundei meu rosto na carteira.

Cinqüenta minutos de pura tortura, já conseguia imaginar meu sangue, bile e vísceras no chão da sala.

Eu não ia conseguir. Meu Deus eu não vou conseguir, girei no assento da cadeira e encostei minhas costas na parede que antecede a janela. Tinha uma visão de área pemium de Júlia (a megera) molestando os cabelos áureos de Max.

Era o sinal do apocalipse, o destino havia sido traçado. Hoje era o dia que eu morreria – virgem – de tédio.

Não me restava mais nada a não ser me fingir de interessado no assunto, talvez a monotonia não viesse buscar minha alma.

Eu também poderia tentar ser um bom filho e escrever um recado post-mortem aos meus pais.

Posei a caneta Bic azul sobre a folha de caderno. O que poderia escrever?

“Pai, mãe, fui gay” ?.

Eu deveria pelo menos me desculpar pelos transtornos que causaria, funeral, missa, cremação, um possível processo judicial contra o colégio... Mesmo depois de morto continuaria tentando falir a minha família.

A quem estou tentando enganar? Eu teria que morrer pelo menos cinco vezes para conseguir deixar minha família no vermelho.

- Vocês... já assistiram... ? – Professor de Biologia atraiu minha atenção. Ele olhava para a turma de forma curiosa, tentando criar suspense – Vocês já assistiram ao filme... ? – Ele esperou (inutilmente) que os tambores soassem - Robocop?

Parte da turma caiu na risada enquanto o restante encarou o professor sem acreditar que ele pudesse fazer algo produtivo de seu comentário.

Suspirei profundamente e cocei meus olhos, com força suficiente para deslocar a retina. Faltavam 40 minutos.

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